A celeuma sobre o voto auditável

A celeuma sobre o voto auditável

Tema bem controverso, foi muito discutido, dividiu opiniões e levou muitos brasileiros a desacreditarem no pleito eleitoral. O objetivo da presente exposição não é gerar qualquer estranheza aparente ou embaraços, tampouco afirmar qualquer coisa que possa desmerecer o nosso sistema eleitoral; afinal, temos que crer que as nossas instituições, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral, estejam funcionando plenamente.

Contudo, algumas questões precisam ser ainda enfrentadas, e rediscutidas, para que possamos, nós, os brasileiros, ficarmos em paz, acreditando plenamente no sistema que elege nossos representantes. Esse que é o ponto máximo da nossa democracia.

A norma que estabelece as regras para as eleições é a lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997. Nosso ponto de análise parte do seu art. 59, que definia que a totalização dos votos seria feita pelo “sistema eletrônico”. Foi um grande avanço no sentido de simplificar o pleito eleitoral e permitir mais agilidade na apuração dos votos. Entretanto, falemos um pouco sobre as alterações que a norma sofreu no tempo, para que se entenda parte da discussão que ainda é travada por muitos eleitores brasileiros.

Em 2002, a lei nº 10.408, alterou o texto, para fazer constar o seguinte:

Art. 59. A votação e a totalização dos votos serão feitas por sistema eletrônico, podendo o Tribunal Superior Eleitoral autorizar, em caráter excepcional, a aplicação das regras fixadas nos arts. 83 a 89.

§ 4o A urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor.

Ou seja, o legislador havia entendido ser necessário que o sistema eletrônico tivesse uma segurança adicional, com a impressão dos votos correspondentes em um recipiente hermeticamente lacrado, para eventual conferência. Muito bem vinda essa preocupação. Por um lado, a votação teria a sua apuração feita de forma bem veloz, o que é desejável e positivo para o pleito eleitoral, mas, por outro lado, os votos físicos existiriam, para permitir eventual recontagem, em caso de uma auditoria física eventualmente requerida por algum candidato.

Em 2015, novamente uma alteração, por meio da lei n.º 13.165:

Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

Ocorre que, em 2018, a Procuradoria Geral da República aviou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, processada sob o n.º 5.889, questionando a constitucionalidade do citado art. 59-A, acima transcrito, da norma que rege as eleições, a saber, lei n.º 9.504. Foi sorteado como relator o eminente Ministro Gilmar Mendes, que, em . sua lavra, assim ofertou o dispositivo decisório: “Julgo procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade do art. 59-A e parágrafo único da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/15”.

Em apertada síntese, foi isso que se deu.

É bom frisar, que a esse julgamento da ADI Nº 5.889, compareceu, na qualidade de amicus curiae, o Sindicato Nacional dos Peritos Criminais Federais, vindo a fazer uma memorável sustentação oral em 01/09/2020, por meio do seu nobre causídico, na qual veio a reconhecer a importância e o avanço do sistema eletrônico, porém, indicaram fortes indícios de que haveria possibilidade de fraude do sistema eletrônico. O Sindicato se manifestou de forma clara aos Ministros, citando os estudos dos notáveis professores Pedro Dourado e Diego Aranha, e toda a fundamentação que embasava a sua fala.

A substanciosa sustentação oral encontra-se no link abaixo, para quem desejar assistir:

YouTube player

O Sindicato Nacional dos Peritos Criminais Federais reconheceu os avanços havidos, mas ofertaram formas de melhorias, em três linhas de ação, bem explicitadas no vídeo cujo link acima. Na robusta sustentação, foi dito que, com o sistema eletrônico, apenas alguns poucos técnicos seriam capazes de auditar de forma correta o pleito, por terem acesso aos códigos fonte e às chaves criptográficas, e, além disso, terem o domínio da forma de utilização dos meios.

Inclusive, no voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, hoje decano na Suprema Corte, ao citar outros países que optaram por não usar o sistema eletrônico, citou a Alemanha, exemplo de democracia pujante, assim se manifestando:

“A Alemanha testou urnas eletrônicas em 2005. Em 2009, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional o processo eleitoral, porque o “princípio da natureza pública das eleições” impõe que “todos os passos de uma eleição estão sujeitas ao escrutínio público”, e a avaliação do processo de votação eletrônica só poderia ser feita por especialistas”.

O raciocínio alemão é o mesmo do citado Sindicato, que usou o mesmo argumento na sustentação oral feita diante do Supremo Tribunal Federal. Dizemos isso não para causar qualquer mal estar, mas apenas para suscitar dúvidas bem pertinentes, e justificadas razões para que ainda restem questionamentos pairando no ar, em boa parte dos brasileiros. Não foi qualquer um que sustentou oralmente a sua tese, mas o Sindicato Nacional dos Peritos Criminais Federais.

É bom lembrar, ainda, que, no processo de auditoria feito pelas Forças Armadas, não se chegou à conclusão que o sistema é confiável. Também não se afirmou ser um sistema desconfiável. Apenas disse que, sem o acesso aos dados corretos, não seria possível ir além. Tem-se que “houve possível risco à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas devido à ocorrência de acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte”; que “os testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e Projeto-Piloto com Biometria), da forma como foram realizados, não foram suficientes para afastar a possibilidade da influência de um eventual código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação”; que “houve restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, inviabilizando o completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17 milhões de linhas de programação”; e, ainda, que “Em consequência dessas constatações e de outros óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento”. Colaciona-se o link do site do Ministério da Defesa, para acesso a tais informações, e o print da matéria:

https://www.gov.br/defesa/pt-br/centrais-de-conteudo/relatorio-das-forcas-armadas-nao-excluiu-a-possibilidade-de-fraude-ou-inconsistencia-nas-urnas-eletronicas

A intenção da colação abaixo é para que se registre o conteúdo do site de instituição tão importante, a saber, o Ministério da Defesa, para que eventuais alterações na sua página não tenham o condão de gerar qualquer confusão futura. Na data da criação desse conteúdo, dia 09/09/2023, o site assim se manifestava:

Nessa esteira, o relatório final assim dispôs:

Contextualizada a questão, passemos ao substancioso voto do eminente Ministro Gilmar Mendes. Em que pese discordarmos do seu voto, reconhecemos ser o mesmo de técnica apuradíssima, como é do seu costume. Mesmo também discordando da inconstitucionalidade declarada, relativa ao art. 59-A, temos que a sua fundamentação foi muito pertinente, e digna de todo respeito e atenção. Mas temos algumas considerações a fazer.

Como não seria possível resumir voto tão consistente, preferimos apontar os elementos nevrálgicos que levaram o Ministro a decidir: a) dificuldade em criar um dispositivo que possa imprimir o voto sem nenhuma intervenção humana em razão de falha ou travamento da impressão; b) falta de planejamento prévio, com testes em eleições reais anteriores, para efetiva implantação do sistema; c) falta de indicação dos recursos para a aquisição das impressoras e dos receptáculos lacrados, que girariam na casa de R$ 1,8 bilhões de reais, conforme prévio levantamento.

Temos que concordar com o voto, pois, de fato, nada disso foi feito.

Mas, com maxima venia, concordamos com a fundamentação que conduziu ao voto, porém, sanados os óbices indicados pelo nobre Ministro, há que se enfrentar novamente o tema, até porque, segundo exposto, alguns órgãos e instituições, sem contar significativa parcela dos eleitores brasileiros, questionam, e com muita razão, o sistema eleitoral. É direito de todo homem livre esgotar suas dúvidas, até obter a certeza…

Com o resultado final da auditoria das Forças Armadas, temos que não foram apurados indícios de fraude, mas também não foram afastados, em razão da ausência de dados, códigos e chaves que seriam necessários para tal. Sem o ambiente propício, com a abertura de dados, e sem o debate aberto e franco, sem “caixas pretas”, passaremos longos anos com essa discussão que apenas atrasa o país. Perguntamos: para que deixar tantas dúvidas no ar, ao invés de resolvermos essa questão de uma vez por todas?

O chamado é para o Congresso!

É hora de mobilização para suprir os pontos que foram indicados, com razão, pelo nobre Relator da ADI Nº 5.889, que o levou a julgar inconstitucional o art. 59-A da lei das eleições, e para a propositura de uma nova medida legislativa que tenha por objetivo ressuscitar esse dispositivo legal, atendidas todas as condições para que isso possa acontecer, sendo certo ser esse um pleito tão almejado por muitos milhões de brasileiros.

Precisamos de um sistema eleitoral confiável. Não que o que temos não o seja, mas se podemos ter o sistema eletrônico alinhado com o sistema de impressão para recontagem numa eventual auditoria, o que é bem mais seguro, porque não o fazer?

Por Alessandro Teixeira
Advogado inscrito na OAB/MG

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