A transparência dos atos judiciais

A transparência dos atos judiciais

De modo geral, as falas do presidente eleito têm gerado certa apreensão, diante das suas imprecisões e do seu tom extremamente populista. Por óbvio, a repercussão do que diz um Chefe de Estado tem grande relevância, e, em razão disso, é preciso que esse tenha parcimônia para emitir opiniões. Em que pese ser direito de todos os eleitos compartilharem sua forma de pensar, essa deve, inarredavelmente, estar em conformidade com a lei, ou seja, opiniões manifestamente ilegais são repreensíveis.

Essa semana o presidente da república, em entrevista, assim se manifestou:

“Eu aliás, se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe? Eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber, votou a maioria, cinco a quatro, seis a quatro, três a dois, não precisa ninguém saber; foi o Uchoa que votou, foi o Camilo que votou, porque aí cada um que perde fica com raiva, e cada um que ganha fica feliz. Então, para a gente não criar animosidade, eu acho que era preciso começar a pensar se não é o jeito da gente começar a mudar o que está acontecendo no Brasil”.

A sua fala é dotada de enorme autoritarismo, além de ser claramente inconstitucional, e, não bastasse ferir o texto da norma máxima, feriu inúmeros outros dispositivos de diplomas legais da maior relevância. É bom lembrar que vários brasileiros estão presos justamente por terem defendido teses que afrontam a constituição, e, assim, já que o zelo pelo texto constitucional é tão intenso ultimamente, mister que se esclareça a afronta que o presidente acaba de fazer à Carta Magna.

A Constituição da República, no inciso IX, do seu art. 93, nos diz que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” – grifos e negritos nossos.

Ou seja, não há espaço para “votos secretos”. O argumento de que tal medida evitaria a excessiva exposição de ministros é absurda, uma vez que o que se espera deles é justamente a exposição, a transparência, e a publicidade das suas decisões.

É de bom alvitre dizer que a publicidade é princípio processual, e que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, indicando-se a sua motivação. Tanto o é que um juiz de direito tem o dever de emitir um relatório, com raras exceções, em que aponta os argumentos que o levaram a se decidir. A isso se dá o nome de fundamentação.

Aliás, importantíssimo também citar que, das decisões publicadas, temos a construção do que chamamos jurisprudência. Ela é a voz dos nossos tribunais. As jurisprudências cristalizadas são construídas através do conteúdo, da substância de cada voto, sentença, acórdão, e, por isso mesmo, a publicização das suas fundamentações são imperiosas no sentido de criar o entendimento predominante dentro das cortes superiores; quiçá do STF, cujas jurisprudências são praticamente vinculantes. É dizer que, caso votos sejam secretos, o compilado de decisões, conhecido por jurisprudência, deixaria de existir, o que se admite somente em resposta ao que fora proposto, de forma totalmente equivocada, pelo presidente em exercício.

Tal dever é de tal sorte importante, que da fundamentação pode-se extrair a correção do julgado, ou a sua mais absoluta incorreção. Daí não há que se falar em votos que tenham natureza sigilosa, uma vez que a natureza da jurisdição pede transparência, justamente para que se evitem injustiças.

A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) assim dispõe, no parágrafo único do seu art. 20, que “A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

Como dito, o elemento motivador terá também, como justificativa, a possibilidade de se adequar o ato, melhor dizendo, a sentença ou o acórdão, para que esses estejam em consonância com o bom direito, corrigindo-se distorções ou erros. Logo, não é possível, no Estado Democrático de Direito, pensar num modelo em que sentenças sejam proferidas sem a fundamentação, ou, ainda, que o voto seja proferido sem que as partes, ou, no caso do STF, a sociedade brasileira, tenham conhecimento do conteúdo da motivação do magistrado, lançada na sua fundamentação, em forma de relatório.

O Códex Pátrio também nos diz isso claramente, no seu art. 10, ao preconizar que “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. O mesmo Código, no artigo subsequente, determina que “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. E, ainda, cristaliza tal entendimento no seu art. 371, ao dizer que “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” – todos os grifos e negritos nossos.

Enfim, a fala do presidente foi extremamente infeliz, e, mais que isso, mostrou-se dotada de grande desconhecimento jurídico, ao afrontar não somente a Constituição Federal, mas diversas leis ordinárias, sem contar que possui manifesto cunho autoritário, posto que o que se busca nos dias atuais é justamente o contrário, a saber, a transparência dos atos da administração pública, em todos os seus níveis.

São Paulo, na epístola aos romanos, fala do homem que pratica a decência, “como quem age à luz do dia”, fazendo menção à transparência e à correção dos atos. Me ocorreu que votos não conhecidos, mui especialmente no Supremo Tribunal Federal, seriam um sinal de “trevas”. Divulgar meros placares, como sugerido pelo presidente, sem acesso aos votos e fundamentações, seria um retrocesso, e tal medida, além de absurda e inconstitucional, geraria, aí sim, animosidade e incertezas sobre a Justiça emanada da Suprema Corte. Que impere a transparência, e que reine a luz…

Por Alessandro Teixeira
Advogado inscrito na OAB/MG

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