Gilmar vota para manter foro privilegiado mesmo após o fim do mandato
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir, nesta sexta-feira (29), por meio do plenário virtual, o alcance do foro privilegiado para autoridades. O primeiro a votar foi o relator da ação, o ministro Gilmar Mendes. A análise segue até o dia 8 de abril.
Mendes votou pela manutenção do foro por prerrogativa de função mesmo após o fim do mandato. Para Mendes, nesses casos, o investigado deve perder o foro apenas se os crimes foram cometidos antes de assumir o cargo ou não possuírem relação com o exercício da função.
O julgamento é referente ao pedido de habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PL-PA). Marinho é investigado por uma prática de “rachadinha” em 2013, quando era deputado federal (entenda o caso abaixo).
Gilmar Mendes decidiu apresentar uma nova tese sobre o foro privilegiado, tendo em vista que a última foi definida pelo STF em maio de 2018. Na época, os ministros defenderam que deputados e senadores só devem responder a processos criminais na Corte se os fatos imputados ocorreram durante o mandato e têm relação com o exercício do cargo.
Também ficou definido que as investigações seguem no Supremo somente enquanto durar o mandato – após a perda do cargo, a apuração vai para a primeira instância. Antes dessa decisão, qualquer ação penal contra congressistas, mesmo anterior ao mandato, era julgada pelo Supremo.
Nova tese ao foro privilegiado
No atual julgamento, Mendes defendeu em seu voto que a restrição do foro privilegiado foi adotada a partir de “argumentos equivocados” e que é preciso retomar o sistema antigo.
“A compreensão anterior, que assegurava o foro privativo mesmo após o afastamento do cargo, era mais fiel ao objetivo de preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser resgatada”, disse.
Para o ministro, “o entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça”.
Mendes ainda defendeu que o foro privilegiado é uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim da função. “Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências”, disse.
Segundo o ministro, “essa justificativa é ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas”.
A mudança no entendimento do foro privilegiado também garantirá ao STF o poder sobre os inquéritos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Teoricamente, essas investigações deveriam estar na primeira instância, uma vez que ele, atualmente, não tem mandato e foro privilegiado.
Caso de Zequinha Marinho
A defesa de Zequinha Marinho tenta levar o seu julgamento ao STF, por entender que é o tribunal competente. Marinho ocupou, sem interrupção, funções com foro, exercendo mandatos de deputado federal (2007-2011 e 2011-2015), vice-governador do Pará (2015-2018) e senador da República, a partir de 2019.
Marinho é réu na Justiça Federal do DF sob acusação de que, entre 2007 e 2015, no exercício do cargo de deputado federal, teria exigido que servidores de seu gabinete depositassem mensalmente 5% de seus salários nas contas do partido, sob pena de exoneração.
De acordo com o ministro Gilmar Mendes, o caso do parlamentar revela os problemas do atual sistema do foro. “No total, da instauração do inquérito policial até hoje, já se passou mais de uma década, mas ainda não se concluiu a instrução processual. Não houve nem mesmo o interrogatório do réu. Esse andar trôpego é um retrato sem filtro dos prejuízos que podem ser gerados pelo entendimento atual, que, com a devida vênia, traz instabilidade para o andamento das investigações e ações penais.”
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