Náusea, indiferença e repúdio: as eleições de São Paulo
As eleições municipais de São Paulo prometem deixar uma marca na política brasileira, independente de seu resultado. Não se trata de um julgamento do valor ou do caráter de nenhum dos participantes. Não me proponho a isso. Mas é evidente que o mundo mudou, as pessoas mudaram e a tecnologia avançou de forma assombrosa, enquanto a política brasileira continua na década de 1980 – principalmente a política praticada pelos partidos de esquerda.
Na teoria, a principal característica do sistema democrático é a livre escolha, pelo cidadão, de quem serão seus governantes. Mas, na prática, no Brasil essa escolha é condicionada ao cumprimento de uma lista enorme de leis, regras e regulamentações que circunscrevem, restringem e dificultam a escolha do eleitor.
Troque o discurso de um candidato pelo discurso de outro e ninguém notará a diferença: é o mesmo desfile de sandices, frases feitas e mentiras compradas a peso de ouro dos mesmos marqueteiros
Você não vota na pessoa que você considera a mais preparada para governar a cidade. Na verdade, você faz sua escolha a partir de uma lista de candidatos que foi previamente montada por outras pessoas. Para fazer parte desse cardápio de candidatos, o indivíduo precisa vencer uma série de barreiras: ele precisa se filiar a um partido, precisa ter a sua candidatura aprovada pelos caciques partidários, lutar para conseguir um pedaço das verbas para sua campanha e implorar desesperadamente por alguns segundos da propaganda eleitoral. Ao mesmo tempo, precisa contratar um advogado e um contador para minimizar o risco de descumprir algumas das milhares de regras que regem uma campanha. Esse risco está longe de ser zero. Há vários casos de políticos que vencem eleições, tomam posse e, anos depois, têm seu mandato cassado por ter descumprido alguma regra, muitas vezes um dispositivo obscuro cuja interpretação está sujeita ao humor do momento.
Tudo isso faz com que o cardápio eleitoral oferecido ao eleitor seja, quase sempre, uma repetição dos mesmos nomes. São, em sua maioria, profissionais da política, cuja biografia se resume a flutuar de um cargo público para outro, de um partido para outro, de uma ideia tola para outra, sem qualquer compromisso com nada, a não ser com a satisfação de suas próprias necessidades.
Um exemplo perfeito: há anos o Rio de Janeiro sofre com certo político da esquerda radical. Ele já foi deputado estadual e federal, e hoje está confortavelmente encastelado na presidência de uma estatal federal irrelevante. Na sua trajetória radical ele sempre foi defensor ardoroso da legalização das drogas (chegou até a sugerir que existiria uma “dose segura de crack”) e crítico implacável da polícia e do sistema de justiça criminal (há um vídeo em que ele pergunta “prender para quê?” e afirma que “prisão não serve pra nada”). Não faz muito tempo, ele decidiu se candidatar ao governo do estado. Na época, eu fiz uma previsão: antes que a campanha acabe, ele vai renegar a pauta das drogas, irá à missa e vestirá uma farda da Polícia Militar.
Das três previsões que fiz, errei apenas uma.
A mesma coisa se repete agora nas eleições em São Paulo.
Tratar o eleitor como idiota é a regra, não a exceção. Candidatos nas eleições de São Paulo ou qualquer outra cidade, representam personagens caricatos, que caberiam bem em um programa de humor. Troque o discurso de um candidato pelo discurso de outro e ninguém notará a diferença: é o mesmo desfile de sandices, frases feitas e mentiras compradas a peso de ouro dos mesmos marqueteiros. Compradas com nosso dinheiro.
O eleitor reage a isso com náusea, repúdio e, principalmente, indiferença. Se o voto não fosse obrigatório meu palpite é que menos de 40% dos eleitores se dariam ao trabalho de votar. O impacto disso seria enorme em todos aqueles que ganham muito bem a vida organizando e participando de eleições. Por isso o voto permanece obrigatório e se gasta cada vez mais dinheiro para convencer o eleitor de que o seu voto faz a diferença. O eleitor não tem muita certeza disso.
A única forma de protesto que resta ao eleitor é escolher um candidato – qualquer candidato – que lhe pareça uma alternativa a esse sistema perdulário, debochado e parasita. Isso ocorrerá com frequência cada vez maior, a despeito dos protestos dos iluminados e dos “editores” do Brasil.
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